“Mais adiante, aproximei-me de uma garota de quatorze anos e, com ternura, fui puxando conversa.
– Você está bem?
– Mais ou menos. Hoje estou melhor, o sangramento está diminuindo – mostrou-me o pulso que fora cortado com gilete.
Nada lhe perguntei, mas ela foi-me relatando o trágico episódio. Vivia, com suas amigas, sob severa vigilância dos pais. Divertiam-se lendo revistas e livros pornográficos sobre sexo e anticoncepcionais, às escondidas. Enfim, a proibição dos pais aguçava-lhes cada vez mais a curiosidade sobre a vida sexual. Brincavam entre si, procurando suprir a falta do contato masculino. Esta garota, vivendo situação conflitante – uma, em que a curiosidade falava mais alto e outra onde lhe apresentavam um Deus que castiga -, temendo a punição, quis fugir de si mesma, por considerar-se indigna. Assim, depois de uma tarde de sexo com suas amigas, resolveu fugir da realidade através do suicídio.
Abracei-a forte.
-Por que irmã, não procurou alguém para lhe aconselhar?
-Quem escuta sem acusar? Todos gostam de atirar pedras, ninguém procura saber porque alguém caiu. Só sabem culpar a fraqueza do próximo.
Calei-me. Ela estava com a razão. Poucos ouvem e ajudam, muitos ouvem e só sabem criticar. Recordei-me de um local onde o jovem é amado, compreendido e respeitado pelos espíritos e por alguns companheiros; sabemos que existem muitos que não desejam amá-los mas temos a esperança de que um dia esses adultos voltarão a ser crianças. Esperamos, eu e principalmente, Irmã Francisca Thereza. É bem pouco o que os jovens nos pedem: respeito, só isso. Elogiar o seu trabalho, demonstrando-lhes que os amamos, é necessário para o dia de amanhã. Mostrarmo-nos indiferentes é sinal de que não atingimos ainda a faixa de respeito à dignidade alheia. Somos uma falange que espera que cada ser plante um jardim de esperanças para que os Miosótis não deixem de florir.
– Até outro dia, Sandrinha. Espero que você se restabeleça; voltarei a visita-la. Até.
– Não, não vás embora, não! Gostei de ti, és tão legal!
Acariciei-a e ainda permaneci conversando por algum tempo mais” (p. 116)
MENINO DE DOZE ANOS
“Quando a deixei, fui direto até um menino que aparentava doze anos. Tinha um orifício feito por bala na fronte. Apesar de já haver sido medicado, o sangue corria em profusão.
Como vai, camarada?
Olhou-me com ódio, nada respondendo. Sentei-me ao seu lado, abri o Evangelho como quem nada queria. Ele, meio sem jeito, disse-me:
– Desculpe-me, amigo, ando meio nervoso. Suicidei-me, pensando ficar livre de tudo e veja o meu estado: cada vez mais preso ao remorso.
– O que aconteceu com você?
– Fiquei ‘cheio’ dos velhos, desejei dar uma de vítima para chamar a atenção e olhe o que restou do meu corpo…
– Mais só por isso?
– Você acha pouco ser filho único e desprezado pelos pais? Eles só se amavam, em nenhum momento lembravam que eu existia. Meu pai não me queria. Quando minha mãe ficou grávida e depois do meu nascimento, fui sendo desprezado pelo seu ciúme, e cada vez mais me revoltava. Sentia no olhar de meu pai o desejo de que eu saísse de casa. Ele queria viver sozinho com a minha mãe; eu era como um fardo pesado para eles.
– E sua mãe, não era sua amiga?
– Que nada! Às vezes, parecia que me amava, mais só a meu pai ela agradava.
– E aí você resolveu suicidar-se?
– Queria apenas dar um susto neles, mais acabei acertando em cheio e nada os médicos puderam fazer.
– E eles, como estão?
– Na deles. Nem ligaram. Só no inicio ficaram chocados. Não esqueça que eu era demais naquela casa.
– É inacreditável que existam casais que renegam o próprio filho!
– Meu amigo, como meu caso, existem muitos aqui. Aquela garota ali, por exemplo, a mãe a odiava e o pai lhe era indiferente.
Sai, imaginando os lares despreparados para receber um filho.”
Adolescência, um desafio de pais e educadores. Editora Auta de Souza. p.116-117.
Quer saber mais sobre o Suicídio, as causas e consequências do suicídio? Leia o Livro ADOLESCÊNCIA, UM DESAFIO PARA PAIS E EDUCADORES, da Editora Auta de Souza.